segunda-feira, 23 de maio de 2011

ESPIRITUALIDADE CAIPIRA

....como eu não sei rezar...só queria mostrar meu olhar....
A espiritualidade é algo tão rico que nem carece de adjetivos e explicações. No entanto é sempre muito difícil falar desse trem sem buscar apoio em outros recursos. Talvez não seja muito fácil, porque a espiritualidade é como a vida, ou melhor, é a própria vida. A palavra grega pneuma significa vento, sopro. Então pode ser o sopro da vida. Tudo que tem vida tem espírito toda physis (natureza que inclui o ser humano, os animais, as plantas).
Tradicionalmente nos acostumamos a relacionar espiritualidade com religiosidade, ou com as coisas que dizíamos ser do espírito, deixando de lado as coisas materiais. Essa visão tradicional nos levou a escolher lugares privilegiados, ações específicas, pessoas separadas, com íntima relação com o espírito, e do outro lado todos os que estavam fora dessa relação “sagrada”.
Depois dessa longa caminhada e de ensinamentos de grandes mestres, doutrinas e escolas filosóficas que perpassaram épocas e mundos distintos: Vedas, Moisés, Buda, Platão, Jesus, Paulo, Santo Agostinho, Tomas de Aquino, São João da Cruz, São Jerônimo, Santa Tereza D´Ávila, Avicena, Gandhi, Martin Luther King, Madre Tereza, Padre Cícero, Antônio Conselheiro, Freud, Kardec, Chico Xavier, Mestre Gabriel, Guru Dev, Rubem Alves, Leonardo Boff, Edgard Morin, dentre tantos e tantas. A espiritualidade toma outro rumo de compreensão.
A saga narrada por Renato Teixeira na música Romaria pode nos ajudar a compreender uma das muitas faces que a espiritualidade possui. Os dramas da existência nos ajudam a perceber o sopro da espiritualidade quando ela “ilumina a mina escura e funda, esse trem que é a minha vida.”  A busca que todo ser humano empreende durante a sua existência é sempre a profunda busca pela espiritualidade, dimensão última da existência como afirmou o filósofo alemão Martin Heidegger: “o ser humano é um ser para a morte”. A morte de que fala Heidegger não é a morte final, mas a morte como concretização da espiritualidade, a morte como emancipação e autenticidade última da existência. Afinal a mitologia hebraica afirmava isso: viemos do pó e para viver tivemos o sopro da vida, voltaremos ao pó, e seremos recolhidos pelo eterno sopro da nossa existência.
Assim nessa busca que não cessa podemos encontrar as muitas emoções da espiritualidade. Vamos ouvindo por todos os lados que devemos fazer isso ou aquilo. Acender velas, acreditar em anjos, frequentar igrejas, incensar a casa e a vida, benzimentos, cultos, rezas, sessões, esmolas, peregrinações, romarias, orações. Tudo pode ter o seu lugar e cada um sabe a dor e a alegria de ser aquilo que é como afirma Caetano. Mas há um elemento primordial nessa busca. Quando todos falam o que a gente deve fazer: “me disseram porem, que eu viesse aqui, pra pedir em romaria e prece, paz nos desalentos.” A nossa alma suspira como a corça sedenta pela fonte de água. Desejar a espiritualidade e paz nos desalentos faz parte da nossa existência e não há vergonha em desejar ou em viver essa busca incessante. Mas há algo que pode provocar o milagre que transforma a nossa vida e nos faz ter um encontro com o sublime. E ao final nos sentimos plenos, quase satisfeitos: COMO EU NÃO SEI REZAR, SÓ QUERIA MOSTRAR MEU OLHAR, MEU OLHAR, MEU OLHAR.  A espiritualidade é o encontro do nosso olhar com o olhar do outro, do nosso olhar com o olhar de tudo aquilo que confessamos entre suspiros e gemidos e pronunciamos bem devagar:
D E U S.


sexta-feira, 13 de maio de 2011

EU MATEI BARACK OBAMA

Cursei teologia numa escola com forte influência norte americana. O pano de fundo histórico da igreja a que eu pertencia, lá no interior paulista, era formado pela ação de missionários norte americanos que aportaram em terras brasileiras pelos idos de 1860.
Fui formado teologicamente para entender que os Estados Unidos da América do Norte tinham uma missão importante no mundo. Salvar não só as almas dos pobres pecadores do terceiro mundo, como também levar os valores da democracia, liberdade, livre iniciativa a todos os povos atrasados.
O nome bonito que os professores davam a essa missão era “Destino Manifesto”. Essa missão havia sido pactuada entre os “pais peregrinos”, aquela mistura de gente anglo-saxã, que fugindo das guerras inglesas navegaram para a “nova Inglaterra” num barco chamado Mayflower. No meio de uma tempestade, com a bíblia no meio do barco e todos ajoelhados fizeram um pacto: se Deus os levassem com vida à terra firme eles constituíram uma nação cujos valores estariam assentados na Bíblia Sagrada. Esse pacto e a doutrina do “Destino Manifesto” forjaram as lutas daquele povo, em especial das 13 colônias, e desde 1776, quando foi promulgada a declaração de independência dos EUA, fazem parte do ideário ou da mentalidade de cada cidadão norte americano.
O mais interessante é que 235 anos depois essa mentalidade nada mudou. Foi esse ideário que levou os norte americanos à marcha para o oeste em busca de ouro e terras. Mataram índios, dizimaram famílias. O símbolo de resistência dessa colonização foi Gerônimo (1829-1909) um índio apache que primeiro lutou contra os mexicanos e depois contra as tropas do governo norte americano. Foi preso como “índio renegado” e após 22 anos na prisão foi morto.
Essa mesma mentalidade sedimentou a escravidão dos negros africanos, ancestrais do atual presidente Barack Obama, ancestrais apenas na cor da pele. Foi a mentalidade que forjou as teorias e as ações racistas da Ku Klux Klan. Perseguiu, torturou, matou, queimou igrejas, estuprou negras escravas.
Quando Barack Obama foi eleito presidente dos EUA fiquei feliz, fiz um sermão, escrevi artigos. Tentei não ser ingênuo e afirmei que apesar de tudo ele era norte americano, mas um negro como presidente. Puxa!!! Isso me remetia ao pastor Martin Luther King Jr., Malcon X, aos índios espoliados e mortos pelos brancos sanguinários, aos negros escravizados e que só haviam conseguido seus direitos civis após muitas lutas e muitas mortes.
A operação secreta que matou Osama Bin Laden recebeu o codinome de Gerônimo. Que desrespeito contra o líder de um povo bravio. As nações indígenas orgulham-se de seus líderes e elas tem muito a nos ensinar. A morte de Bin Laden, como foi noticiada, a covardia do ataque, o sequestro do corpo, o desrespeito às normas internacionais. Não quero afirmar ou defender nenhum ato terrorista, venha de onde vier. Tudo isso mostra que Barack Obama é o mesmo e reflete a mesma mentalidade de 235 anos atrás. A cor da sua pele não significa nada. Por baixo da pele negra existe um WASP (anglo saxão, branco e protestante), cuja meta exclusiva na vida é seguir o pacto do Mayflower e o Destino Manifesto, como a grande nação que é o xerife do mundo. O espetáculo produzido por esse “presidente” serviu para levar boa parte da nação que foi erigida sob os valores da Bíblia Sagrada a dançar, pular, gritar nas ruas e se alegrar com a morte de pessoas. Assim como fizeram no passado massacrando os índios e os negros.
Ontem eu fui dormir lendo “A Interpretação dos Sonhos” de Sigmund Freud, volume 1º. Estava impressionado com todas as informações dos jornais e com a leitura. Acordei um pouco assustado. Sonhei. É tive um sonho. E no sonho matei Barack Obama.

sábado, 7 de maio de 2011

MÃES DESCONHECIDAS CUJAS MÃOS SUSTENTAM NOSSAS VIDAS


...está ai um menino que trouxe um lanche, cinco pães de cevada e dois peixinhos...

Madres de la Plaza de Mayo. Mães da Candelária. Mães de Acari. Movimentos sociais que se tornaram conhecidos em todo o mundo. Mães que lutaram e lutam por justiça, lutam por amor aos filhos que foram covardemente torturados e chacinados.
Na cozinha da nossa casa lá no interior paulista eu ficava admirando a minha mãe. O fogão de lenha, a chaleira, os panos de chita coloridos que tapavam os buracos na parede para estancar o frio. O café quente, o leite fervendo. No rádio do pai todos os dias depois da Ave Maria das seis da tarde o programa Na Beira da Tuia, com Tonico e Tinoco. E uma das músicas guardadas nas memórias da infância fala da Mulher do Carreiro. Após a morte do marido, que ganhava a vida tocando carro de boi, a esposa torna-se a primeira mulher que carreou no sertão. Assim diz a última estrofe:Minha mãe foi pioneira, foi a primeira carreira, que no sertão carreou. Depois que meu pai se foi, com o seu carro de boi, todos filhos ela criou.”
Renato Teixeira na sua música Sina de Peão faz uma declaração emocionante: “uma cegueira triste, certo dia, nos olhos calmos do meu pai entrou. Varreu as cores do seu pensamento, ele deitou na cama nunca mais falou. A minha mãe mulher de raça forte, pegou as rédeas com as duas mãos. Eu enterrei minha alma na viola, plantei poesias e colhi canções.”
Mães da Plaza de Mayo, Mães da Candelária, Mães de Acari, Mulher do Carrero, Mulher de raça forte. Mulheres valentes cujas mãos desconhecidas embalam as nossas vidas.
Saulo de Tarso transformado no Apóstolo Paulo, o maior apóstolo da cristandade, quando escreveu a sua mais importante carta, talvez o maior tratado teológico no novo testamento, a carta aos romanos, com o intuito de fazê-la circular pelas igrejas cristãs primitivas, recomendou o seu cuidado não a um apóstolo e a nenhum líder homem da igreja nascente. Entregou o maior tesouro do novo testamento às mãos de uma mulher: FEBE, diaconisa da igreja de Cencréia, que era protetora de muitos e de mim também, declarou o apóstolo.
Quando um jovem maluco de cabelo comprido, sandálias nos pés, queimado de sol, meio revolucionário e meio filósofo, meio líder religioso e meio reformador social, andava pela Palestina, cercado de prostitutas, gente pobre, pescadores fedidos, houve um evento interessante, que muitos retrataram como um milagre. A multidão estava com fome e não havia comida para todos. Os apóstolos alertaram o mestre que havia um menino entre o povo com um pequeno lanche, pão e peixe. Aquele jovem meio maluco pediu o lanche e começou a repartir, houve pão e peixe para todos, muita comida, alguns trouxeram vinho e chamaram o sanfoneiro que morava em Emaús. A festa foi grande, comeram, beberam e bailaram até o amanhecer. Ainda sobrou muita comida.
No outro dia Jesus Cristo reuniu todo o povo e pediu que todos agradecessem a mãe daquele menino. Ela nem estava lá e a Bíblia nem fala seu nome. Jesus Cristo disse que muitas mulheres eram mães desconhecidas e que mesmo assim, estavam cuidando das nossas vidas. Ele disse que o menino ali estava porque havia sido educado para ouvir coisas importantes. O menino tinha vigor físico para caminhar junto com o povo. O lanche que trouxe era especial, sim, de família pobre, pão de cevada, comida de pobre e não de trigo, comida de rico, dois peixinhos, também comida de pobres pescadores. Mas o peixe que trazia não era comum, Jesus disse que era um “cozido de peixes”, ou seja, a mãe havia pensado em preparar o lanche para o filho que sairia em viagem.  Aquela mãe desconhecida também havia ensinado seu filho a repartir dos seus bens, compartilhar com os outros famintos o pouco que ele tinha, porque de acordo com os valores do reino de Deus, o pouco que é repartido torna-se um grande milagre. No segundo domingo de maio homenageamos as nossas mães. Que esse seja um dia de profunda gratidão por essas valentes e valorosas mulheres, as que conhecemos e as que não conhecemos. Porque mesmo desconhecidas elas protegem e embalam as nossas vidas.
Luiz Longuini Neto
06/05/2011

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A FUNÇÃO TERAPÊUTICA DO PERDÃO

O apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos fala que quando perdoamos os nossos inimigos é como se estivéssemos amontoando brasas vivas sobre as suas cabeças. O que acontece quando desejamos perdoar alguém e esse alguém não quer conversa? O que acontece quando necessitamos o perdão de alguém e esse alguém faz de conta que a gente não existe?
De acordo com a teologia paulina você deve tomar a atitude de buscar o perdão, perdoar e reconciliar-se com o outro e consigo mesmo. Quando a outra pessoa não se importa, ou faz que não se importa, o problema não é mais seu. Deixe a pessoa com um monte de brasas vivas na cabeça dela e essas brasas ficarão incomodando até o momento em que ela não aguentar mais e te procurar. Pode durar uma hora, um dia ou a vida toda.
O perdão tem uma função terapêutica, ou seja, produz cura. A falta de perdão, o ódio, a raiva, pode produzir morte.
A Bíblia nos ensina a perdoar assim como Deus em Cristo nos perdoou. O próprio Jesus na oração do Pai Nosso nos ensina: perdoa-nos as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores.
Penso que talvez seja fácil perdoar o nosso próximo, um amigo, ou até um inimigo. Difícil muitas vezes é a gente se perdoar. Entender como somos, ter amor próprio, viver um constante autoconhecimento. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
O perdão então tem essa função de cura porque nos coloca em sintonia com Deus, com nosso próximo, com a natureza e conosco mesmo.
Vivamos com alegria essa realidade abençoadora que é o perdão.

Rev. Luiz Longuini Neto

terça-feira, 3 de maio de 2011

JANTANDO COM JESUS

A TARDE CHEGOU: REUNIU OS AMIGOS E FEZ UM JANTAR
...chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos....
Evangelho de Mateus 26. 20-30
Jesus não deixou nada escrito. Tudo que temos são coisas que disseram que Ele disse, são relatos que outras pessoas fizeram de sua vida, de seus atos, ministério, milagres, morte e ressurreição.  Vejo nesse ato de Jesus muita sabedoria. Ele não deixou nada escrito porque preferiu escrever no coração dos discípulos. Jesus preferiu escrever de outra maneira. Escrever com mais simplicidade falando as coisas que as pessoas queriam, mas que também precisavam ouvir. Não era uma necessidade no sentindo de que estavam totalmente errados, era a necessidade da existência humana. A necessidade de bondade, amor, de sonhos e esperanças. A necessidade de uma religião que fosse mais humana e que deixando as coisas celestiais e divinas conseguisse partilhar o pão, a água, o vinho a roupa. Afinal a existência. E é exatamente num dos momentos mais importantes da vida de Jesus que ele chama os amigos para um jantar e compartilha algumas coisas.
PODE SER O FIM DE TUDO, MAS NÃO É UM FIM FINAL
...desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira....até aquele dia....
Durante aproximadamente três anos a convivência com esses amigos com certeza trouxe para todos frustrações e alegrias. O que esperar daquele projeto? Um líder que ficava andando de cidade em cidade sem ter aonde reclinar a cabeça. Um amontoado de gente com problemas, pobres, prostitutas, ladrões, pescadores, leprosos, endemoninhados. Nenhum ser humano consegue viver o tempo todo com esse grau elevado de tensão. Acho que alguns estavam ansiando que essa tarefa chegasse ao final. A Páscoa era sempre um a festa, uma lembrança. Alguma coisa terminava, mas também alguma coisa começava. Nunca estamos preparados para a morte. Então Jesus começa a escrever o seu maravilhoso testamento no coração dos amigos. Há um final que não será o fim. Agora tudo está começando e só compreende isso quem consegue olhar para a vida e ver que o que temos não temos, que o que somos não somos que o que vale de fato para a vida é o fruto da videira, que tomaremos no Reino do Pai.
PARTILHEM A VIDA, FRUSTRAÇÕES, ALEGRIAS, O BEM E O MAL
....enquanto comiam disse Jesus: um dentre vós me trairá....
A pior traição que alguém pode cometer não é contra o outro. É contra ele mesmo. O traidor na história de Jesus não é o exemplo de uma pessoa. É muito mais do que isso. É uma grande metáfora para a vida. Todos traíram, a Jesus, não foi apenas Judas. Todos traíram o projeto sobre o qual haviam aprendido por três anos. A  partilha da vida de Jesus não fora suficiente para engendrar naqueles corações medrosos a esperança de que tudo na vida pode ressuscitar. Eles não entenderam nada dos ensinos de Jesus. O que Jesus quer e sempre desejou é que seus amigos fossem felizes. Esqueçam os dogmas e as doutrinas. Essas coisas só servem para aprisionar e matar. Jesus tentou comunicar uma verdade que era mais que puro catecismo. Ele tentou fazer com que as pessoas entendessem que o que vale mesmo é saber viver em meios às frustrações, alegrias, convivendo com as duas dimensões sempre presentes em nossos corações: o bem e o mal.
VIVAM SEUS SONHOS, AS UTOPIAS, SEJAM FELIZES E COISA E ....TAL
....tendo cantado um hino....saíram....
Jesus não nos deixou nada escrito porque Ele queria que nós vivêssemos olhando para o futuro e não para o passado. É no futuro que moram os nossos sonhos. Quando perdemos a capacidade de olhar para o futuro, de sonhar com coisas possíveis e diferentes, estamos iniciando a nossa morte. E pior: vamos morrer como se nunca tivéssemos vivido. É maravilhoso olhar para o futuro e sonhar através das poesias, das músicas, das canções e dos hinos. Era costume ao final das refeições da páscoa cantar Salmos (provavelmente os que vão de 113 a 118). É só ler esses salmos para ver a dimensão utópica dos mesmos. Como escreveu Eduardo Galeano: Á utopia está no horizonte. Dou dois passos em sua direção, ela se afasta dois passos. Posso caminhar muito, mas nunca a alcançarei. Então! Para que serve a utopia? Para isso. Serve para caminhar.”   Jesus nos convida para sairmos pelas ruas cantando canções de utopia. Canções que mostrem a dimensão maravilhosa de Seu Reino. O pão que é corpo e o cálice da nova aliança conquistado com o seu derramamento de sangue. Mas isso não ficou no passado. Ele nos espera para tomarmos juntos o vinho novo. Vamos! Está entardecendo e Ele já preparou o jantar e nos espera. Vamos! É só caminhar. Foi para isso que Ele deixou a semente do futuro nos nossos corações.
Rev. Luiz Longuini Neto

segunda-feira, 2 de maio de 2011

TODA MEMÓRIA É SUBVERSIVA

TODA MEMÓRIA É SUBVERSIVA
....em busca da afirmação ontológica da escola SESC de ensino médio....
Pro Antonio Henrique (guardião da memória eseniana)
Andava apressado pelo corredor da ala das coordenações e um grupo de alunas estava apavorado. Disserem: - Longuini o que é isso que vamos fazer na médica: anamenese. Seria o encontro com a Dra. Ana? A palavra grega para memória é meneme, de onde vem a palavra menesis. Daí o significado de anamenese, isto é, quando vamos ao médico, por exemplo, fazemos um resgate da nossa história médica. De fato a palavra quer dizer trazer à memória novamente. A preposição grega “ana” significa novamente, por exemplo, anabatismo, os que batizam novamente. Também é conhecido o fato de alguém que fica com amnésia. O prefixo “a” significa “sem”, ou “não”, ou seja, a pessoa que perdeu a memória.
Nunca tivemos tanta preocupação com a memória, ou com a falta dela. O mal de Alzheimer alertou o mundo. Livros e filmes como Diário de uma Paixão de Nicholas Sparks, com mais de 12 milhões vendidos, chamam nossa atenção para o drama vivido por inúmeras famílias, pessoas que se amam, passaram quase uma existência juntos, e que de repente, não se reconhecem mais. A falta da memória faz com que filhos, pais, esposos e esposas tornem-se estranhos para si mesmos. Perder a memória, nesses casos, é perder a existência, não a existência do estar ali, corporalmente, mas é perder a consciência de si. O esquecimento de tudo e daquilo que verdadeiramente são provoca uma angústia existencial que se expressa em terríveis medos, delírios e alucinantes gritos.
A memória serve para muita coisa, e pode não servir para nada, apenas serve para nos falar, bem baixinho, aquilo que somos. Serve para sussurrar à nossa consciência na calada da noite as desgraças da vida. Serve para nos alertar, nas insônias da madrugada, de tudo que um dia desejamos e não conseguimos. Serve para nos despertar, com o simples cheiro de polenta cozida e ovo frito dos sabores e cores da infância. Serve para sentir, mesmo que ausente, o cheiro da pessoa amada, e sentir o corpo tremer entre os lençóis.
Numa das maiores encruzilhadas da história um jovem líder chamado Jesus Cristo estava prestes a ser assassinado. Reuniu as amigas e os amigos mais próximos e no meio de uma festa partilhou com eles pão e  vinho e disse que aquilo simbolizava a sua morte. Eles deviam repetir aquele jantar como lembrança: “ fazei isto em memória de mim”. Após mais de 2000 anos da sua morte os cristãos do mundo todo em todos os domingos recuperavam de maneira subversiva essa história fazendo a anamenese daquele momento, celebram a eucaristia.
A nossa querida ESEM empreende com bravura e tenacidade um projeto do seu Centro de Memória: preservar, lembrar, guardar, escrever, fotografar, falar, recordar, registrar, subverter. Sim a memória sempre irá subverter porque ela vai apresentar a sub-versão, a versão que está por baixo, ou a outra versão. Toda anamense é sempre outra versão.
A ESEM ao fazer isso está afirmando-se ontologicamente, afirma seu ser, busca seu ser e quer mais que recordar. Deseja registrar tudo que faz parte do seu multicolorido, multifacético e idiossincrático ser. Assim o faz porque deseja evitar o alzheimer institucional. Deseja evitar a falta da memória que fatalmente nos levará ao desesperador encontro com o esquecimento, a falta de consciência e memória histórica do nosso não ser.
Luiz Longuini Neto
Professor de Filosofia.

domingo, 1 de maio de 2011

DIA DO TRABALHADOR - HOMENAGEM

DIA DO TRABALHADOR
...do suor do rosto comerás o teu pão....
Alguns sociólogos afirmam que a tradição dos países católicos difere em muito da tradição dos países protestantes no que se refere ao trabalho. Existem aqueles que afirmam serem os países católicos atrasados, pelo fato de que a sua concepção de trabalho é castigo, e os seus habitantes preguiçosos. Já os protestantes vêem o trabalho como virtude e seus habitantes, sendo virtuosos, vêem o trabalho como bênção de Deus e por decorrência são países prósperos. Hoje comemoramos não o dia do trabalho, mas do trabalhador. Conceitos que podem estar interligados, mas existe alguma diferença. Vejamos algumas explicações bíblicas sobre o trabalho e o trabalhador.
O TRABALHO COMO VOCAÇÃO E SUA DIMENSÃO TEOLOGAL
Os reformadores Martinho Lutero e João Calvino destruíram o conceito de uma única vocação sagrada. Para eles todo trabalhador recebe uma vocação específica e essa vocação (carisma) para determinado trabalho deve ser desenvolvida como ministério, como de estivessem servindo o próprio Deus. Jesus teve uma profissão que aprendeu com José seu pai. Se compreendêssemos todo trabalho e todo trabalhador como algo que vem como um presente de Deus seríamos mais felizes. Não haveria trabalho de primeira ou de segunda categoria.
O TRABALHO COMO REALIZAÇÃO E SUA DIMENSÃO EXISTENCIAL
O relato da criação coloca a luta pelo pão de cada dia como um castigo. As escrituras, no entanto, quando lida no seu contexto geral, não respaldam essa idéia. Ao contrário o trabalho aparece como algo que pode realizar o ser humano. Sempre que encontramos a ligação entre o que fazemos (profissão) com o que achamos que devemos fazer (vocação) então nos realizamos. Ser realizado naquilo que se faz não é viver uma vida de constante prazer. Muitas vezes o nosso trabalho vai exigir de nós tanta dedicação e enfrentamos tantos problemas que achamos que estamos fazendo algo errado ou estamos em lugar equivocado.
O TRABALHO COMO ORAÇÃO E SUA DIMENSÃO SOCIAL
Na carta de Tiago 5.4 encontramos uma expressão maravilhosa. Diz que o clamor dos trabalhadores, que não receberam o salário (roubado pelo patrão) chegou até Deus como uma oração. O trabalho e o trabalhador têm implicações sociais para qualquer sociedade. O lema beneditino do século quarto era “ora et labora”, orar e trabalhar. Seria isso possível trabalhar-orando e orando-trabalhar? Quando olhamos para a história dos trabalhadores podemos perceber que sempre foi uma história de lutas e de conquistas. A luta pelos direitos dos trabalhadores é algo plenamente legítimo e de acordo com a Palavra de Deus. Deus quer que sejamos realizados como trabalhadores, que tenhamos uma vocação verdadeira naquilo que fazemos e que acima de tudo pensemos na dimensão social do nosso trabalho, exigindo sempre os nossos direitos. Que Deus nos abençoe
Rev. Luiz Longuini Neto